Por Mauro Ferreira
A abordagem da obra do compositor baiano Roque Ferreira por Roberta Sá e o Trio Madeira Brasil gerou irretocável disco de estúdio, Quando o Canto É Reza, marcado pela precisão técnica das cordas do trio e da voz límpida da cantora, ajustada aos arranjos como um instrumento. No show, que chegou ao Rio de Janeiro (RJ) em 1º de novembro de 2010 para gravação do programa Palco MPB (da rádio carioca MPB FM), tal abordagem roça e geralmente reproduz a precisão técnica do estúdio, mas ganha calor. No palco, Roberta Sá entra na roda solar de Roque com mais vivacidade, aliando à voz um elegante gestual corporal que evoca o balanço todo próprio do Recôncavo Baiano - matriz e força motriz do repertório de sambas, ijexás e chulas que compõem a obra afro-baiana do compositor. A cada show, Roberta vem mostrando maior intimidade com o palco, sendo que, em Quando o Canto É Reza, a cantora já começa a se mostrar senhora da cena. A voz - de uma emissão que beira a perfeição, como se percebe na folia de reis cantada a capella na abertura do show e também nos vocalises sedutores do samba Marejada - já parece mesmo sagrada. E o fato é que - em total sintonia com as cordas magistrais de Marcello Gonçalves (violão de sete cordas), Ronaldo do Bandolim e Zé Paulo Becker (violão e viola caipira) - Roberta Sá transita com brilho (e com um apropriado figurino de Isabela Capeto) por ijexá (Menino), samba de roda (Chita Fina, mais envolvente ao ser repetida no bis) e samba à moda carioca (Tô Fora). No show, mais do que no disco, as percussões igualmente precisas de Zero e Paulino Dias sobressaem em números como Mandingo (parceria de Roque e Pedro Luís) e Cocada, dando a alguns temas dose maior de africanidade e brasilidade, ainda que a intenção salutar e bem-sucedida do trio seja deslocar a obra de Roque Ferreira de seu habitual eixo afro-baiano. Aliás, em rota paradoxal, o samba Água da Minha Sede, composto por Roque com Dudu Nobre e gravado por Zeca Pagodinho com levada carioca, retorna para sua roda original na interpretação de Roberta e trio. Água da Minha Sede é um dos destaques de roteiro que apresenta outro samba de Roque conhecido na voz de Pagodinho. É Samba pras Moças, citado no disco ao fim de Festejo, mas cantado inteiro no show em medley com a mesma Festejo. Fiel ao espírito do disco, o show Quando o Canto É Reza não deixa de exibir em Orixá de Frente a longa passagem instrumental que dá ao tema um clima de samba-choro. Xirê, já no bis, reitera que, mesmo sem rezar pela ortodoxa cartilha rítmica da obra de Roque Ferreira, Roberta Sá oferece com o Trio Madeira Brasil uma visão diferenciada do cancioneiro do compositor. Nem melhor nem pior do que a abordagem de cantoras como Maria Bethânia e Mariene de Castro. Apenas diferente. E bela, muito bela...
Fonte: http://blognotasmusicais.blogspot.com/2010/11/no-palco-roberta-sa-entra-com-mais.html
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