domingo, 19 de dezembro de 2010

“Acho que rezo quando canto”

Apontada como uma das estrelas da nova geração da MPB, Roberta Sá nem de longe se mostra encantada com o rótulo. Confessa que prefere “não acreditar” e admite que o trabalho realizado até agora começou de “delírio”.
Delírios que deram certo, transformaram em realidade o sonho de ser cantora e oferecem hoje a Roberta Sá o espaço destinado a artistas famosas da MPB. “Acho que tudo que fiz até hoje foi um delírio. A gente sempre dá um passo.
Gravar o meu primeiro disco foi muito delirante. Eu não era cantora, nunca tinha feito um show profissional na minha vida e resolvi gravar um disco”, comenta a cantora, que esteve realizando show em Natal promovido pela Agenda Propaganda.
Ela observa que acha perigoso o artista que se acostuma com os elogios. “Agradeço muitíssimo (aos elogios), fico lisonjeada, mas também tento não dar tanta atenção”, afirma. Uma declaração de uma cantora jovem na idade, mas que estampa aprendizado dos mais experientes.
Roberta Sá admite que pouco lê o que publicam sobre o trabalho dela. Confessa que é um mecanismo de autodefesa: não inflar o ego sobre algo muito bom que escrevem sobre ela, mas também não se incomodar com as críticas feitas. A cantora, com fortes raízes potiguares, está no seu terceiro CD.

Com a música, Roberta tem uma relação que soa divina, de delírio, sonho que virou realidade. “Acho que rezo quando canto. É uma relação divina com o palco, com a música, com o que a música me trouxe, com o que o palco me trouxe. Eu aprendi muito com minha profissão. Sou uma pessoa muito melhor desde que comecei a cantar”, destaca. A convidada de hoje do 3 por 4 é uma artista simples, uma cantora que encanta, e é encantada pelo palco, uma potiguar de fortes lembranças da adolescência vivida em Natal, uma profissional focada na carreira e em novos projetos. Com vocês, Roberta Sá.

Você é apontada como uma das estrelas da nova geração da MPB. A que você credita isso?

Olha, eu não sei. Não sei se é bom acreditar muito nisso. Acho que claro que fico lisonjeada com os elogios. Mas penso muito, levo meu trabalho muito a sério e penso muito no meu trabalho, no meu próximo disco, como vou fazer meu próximo disco, como posso dar um passo além na qualidade do meu trabalho, das gravações que eu faço, na qualidade da escolha do repertório. Estou sempre olhando para frente e pensando no meu próximo passo. Acho perigoso o artista que tenta ou se acostuma com os elogios. Agradeço muitíssimo, fico lisonjeada, mas também tendo não dar tanta atenção. Depois olho para o meu trabalho.

Mas o que conta para você ser apontada como revelação da MPB? É sua música, a voz, a postura no palco?

Demorei muito para entender o que é ser artista. Há pessoas que nascem artistas. Acho que fui me fazendo cantora, o público foi me vendo crescer como cantora. Demorei muito para entender que o que faz um artista é o conjunto, é tudo. É uma voz, tem que tomar cuidado com tudo, com as pessoas que cercam, com os músicos que tocam comigo. Acho que, realmente, o meu grande trunfo são minhas parcerias. Os músicos que tocam comigo no palco desde o primeiro show que fiz na minha vida, meu empresário que é muito meu parceiro e acredita em todas as loucuras que eu faço e que quero fazer. Ele (o empresário) vai lá, acredita, compra o meu barulho. Até gente que compra meu barulho, venha fazer barulho comigo. Acho que isso me dá segurança para ser cantora.

Você disse que seu empresário “compra as loucuras que você quer fazer”. Qual foi a loucura que você já fez na sua carreira?

São delírios. Acho que tudo que fiz até hoje foi um delírio. A gente sempre dá um passo. Gravar o meu primeiro disco foi muito delirante. Eu não era cantora, nunca tinha feito um show profissional na minha vida e resolvi gravar um disco. Tudo foi um pouco assim. O DVD, não sei se era hora de gravar o DVD. A gente está sempre envolvendo gente muito boa, bacana. E isso é sonho, tudo na base do sonho.

Você é uma cantora que cresce muito no palco. O que você leva para o palco que lhe faz ocupar todo aquele espaço?

Eu não sei. Acho que, na verdade, aprendi a estar no palco e me sentir confortável no palco. Para mim, no começo, era muito difícil. Sofria muito com o palco. Hoje em dia é o lugar que eu mais gosto de estar. Eu adoro, me sinto muito confortável. E gosto muito da troca com o público. Tenho um público super fiel, que me acompanha desde o primeiro show que fiz para 50 pessoas, agora é para 4 mil pessoas e ele (o público) continua lá. Eu vejo os rostos, eu identifico. Tem algumas pessoas que me acompanham mesmo. Então acho que é o público (que a faz crescer no palco).

Você participou do programa Fama, da Rede Globo. Não ganhou a competição, mas se tornou cantora reconhecida. O que o programa lhe trouxe?

Muita coisa. Você sabe que é curioso que muita gente não sabe que eu fiz o Fama. Tem umas pessoas que não lembram, eu era muito menina, era diferente fisicamente do que eu sou hoje. Mas foi super importante fazer o programa para mim. Primeiro que conheci o Felipe Abreu, que é meu preparador vocal até hoje. Ele (Felipe Abreu) é uma pessoa muito importante na minha vida. |Se quero gravar um repertório, eu escuto com ele. A opinião dele é muito importante para mim. Ele era preparador vocal do Fama e o conheci lá. É a pessoa que me orienta. Quando eu estou na dúvida, pergunto para ele e faço como ele define.

A crítica é sempre muito favorável a você. Os críticos estão sendo “benevolentes” ou justos com você?

Benevolente, crítico nunca é.

Então eles são justos com você?

Eu não sou uma unanimidade, graças a Deus. Acho isso muito bom. Não sendo uma unanimidade pode ser que tenha justiça. Essa história da crítica a gente não pode muito ler. Eu não leio muito o que sai sobre mim.

Por que você não lê o que publicam sobre você? Autodefesa?

Não sei. Auto-defesa acho que é. Tanto para não inflar demais o meu ego sobre uma coisa muito boa que falam sobre mim, nem me incomodar demais com uma coisa muito ruim que sai sobre mim. Talvez seja para não interferir no meu trabalho.

Ruy Castro chegou a dizer que você mostra a visão “contemporânea da MPB”. Você concorda?

Eu vivo no mundo de hoje e acho que sim. Primeiro que concordo com tudo que Ruy diz. A contemporaneidade é a busca, na verdade, de falar com o público de hoje. A MPB é muito rica e é muito difícil você escutar uma música e gravar um disco sem ser saudosista. Acho que é um olhar para frente, tanto nas letras, letras que falem sobre o mundo de hoje, é procurar a referência do passado, que é importante e me construiu artisticamente, procurar essas referências, mas ao mesmo tempo olhar para a atualidade, o que ocorre no mundo hoje. Tanto o que acontece no mundo hoje, factual, guerra, política, o que acontece com tudo isso, como eu enxergo a humanidade. Essa é uma preocupação que eu tenho e o que musicalmente eu posso acrescentar. É não fazer um som que soe como maravilhoso de antigamente. É pegar música de 1950 e como essa música fala nos dias de hoje.

Os cantores de modo geral têm uma crítica muito aguçada sobre as emissoras de rádio, que tocam músicas muito comerciais. Você endossa essa crítica?

Acho que hoje em dia qualquer um pode fazer sua rádio porque tem a internet, você pode montar sua rádio. Eu escuto pouca rádio. Acho que só escuto duas rádios, mas acho que isso não interfere mais tanto na vida do artista hoje.

Então o que interfere na vida do artista?

Independência, criatividade. O artista tem que olhar para sua obra. O jeito de chegar nas pessoas você pode fazer chegar, através dos shows, da internet. Você pode ter postura mais ativa. Não estou dizendo que a peneira não é fina, ela é fina. Tem muita gente boa que não consegue levar a música para um público grande, claro que isso existe. Mas aí tem muito engenheiro bom que não consegue emprego bom. Acho que isso é um pouco da peneira fina do mundo.

Você demonstra muito apego ao Nordeste. Como são as raízes nordestinas que você carrega dentro da sua carreira artística?

Tenho uma relação com o Nordeste de amor profundo. Minhas maiores lembranças de infância estão aqui. Na adolescência, eu vim muito para Natal. Tenho muitas amigas aqui, amiga de farra. Fui muito a Forró com Turista, pulei muito Carnatal, então fui uma adolescente nordestina. Eu vinha muito para cá. Meu início de vida de adolescente foi todo aqui. Eu ia para o Arrasta, enquanto meus amigos do Rio iam para boate eu ia para Arrasta. Então isso está em mim como está em qualquer pessoa do Nordeste. Claro que levo isso para minha música. Tenho uma relação muito forte com os compositores nordestinos. Lula Queiroga é de Pernambuco, o Moreno Veloso é baiano. Tem essa relação com os compositores nordestinos contemporâneos.

Seu último disco é “Quando canta é reza”. E quando você canta reza, ou quando você reza canta?

Acho que rezo quando canto. É uma relação divina com o palco, com a música, com o que a música me trouxe, com o que o palco me trouxe. Eu aprendi muito com minha profissão. Sou uma pessoa muito melhor desde que comecei a cantar. Não é aquilo de quem canta seus males espanta, é porque a gente trabalha muito duro. Me sinto mais segura. Minha carreira me deu isso, uma segurança, um prazer, uma alegria.


Fonte: Tribuna do Norte

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